O mundo empresarial no Brasil está prestes a encarar uma mudança estrutural que exige atenção e, acima de tudo, ação imediata. O Projeto de Lei nº 1.087/2025 (PL 1.087/2025), recentemente aprovado pelo Senado Federal e que segue para a sanção presidencial, marca o fim da isenção do Imposto de Renda sobre os lucros e dividendos distribuídos a pessoas físicas estipulados pela Lei n° 9.249 de 1995.
Para empresários e empreendedores, que lidam diariamente com a complexidade da gestão e da contabilidade, essa não é apenas mais uma alteração na legislação: é um ponto de virada que demanda planejamento estratégico, adaptação ágil e a reavaliação completa da sua estrutura de remuneração.
Nosso objetivo com este artigo é desmistificar o novo cenário e apresentar o roteiro prático para que essa obrigatoriedade se transforme em uma vantagem competitiva para o seu negócio e o seu patrimônio.
🔍 O Que Muda na Prática: Detalhes da Nova Lei
O PL tem por objetivo taxar as altas rendas. Em seu texto, o PL estabelece que a pessoa física que auferir nos anos calendários a partir de 2026, renda superior a R$ 600.000,00 anual ficará sujeita ao Imposto de Renda da Pessoa Física Mínimo (IRPFM). Importante destacar que, o texto considera todos os rendimentos recebidos no ano calendário, incluindo os lucros e dividendos.
O Novo Gatilho da Tributação
O PL institui a retenção de 10% do IRPF sobre as distribuições de dividendos ou entrega de lucros que superarem R$ 50.000,00 mensais. É crucial notar que esse limite é aplicado:
- Por pessoa física (CPF).
- Por fonte pagadora (CNPJ).
Isso significa que, se um mesmo sócio receber, no mesmo mês, R$ 40.000,00 de uma empresa A e R$ 40.000,00 de uma empresa B, nenhuma das distribuições sofrerá a retenção. No entanto, se o mesmo sócio receber R$ 60.000,00 da empresa A, o total do valor pago será tributado pelo IRPFM a alíquota de 10%.
Além do cálculo mensal, a lei também estabelece mecanismos de “tributação mínima anual” para pessoas físicas que recebem rendimentos elevados, garantindo que a carga tributária efetiva sobre a alta renda atinja, no mínimo, a alíquota de 10%. Essa tributação anual é compensável com o imposto retido mensalmente sobre os dividendos.
A Janela de Oportunidade: Lucros Acumulados
Uma das informações mais críticas é a regra de transição para lucros apurados até 31 de dezembro de 2025:
Se a deliberação de distribuição desses lucros for aprovada até 31 de dezembro de 2025, o pagamento poderá ser efetuado até o final de 2028 sem que seja tributado pelo IRPFM.
Essa é uma janela temporal estratégica. O empresário precisa agir agora para formalizar a aprovação dos lucros acumulados de anos anteriores, protegendo-os da tributação futura. Deixar essa formalização para depois de 2025 pode significar uma perda de 10% no valor líquido a ser recebido pelo sócio.
📈 Por Que Essa Mudança Aconteceu?
A isenção de dividendos era um tema de caloroso debate há anos. O Brasil, de fato, era um dos poucos membros da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) que não tributava lucros e dividendos pagos a pessoas físicas.
As motivações centrais do PL 1.087/2025 são claras:
- Justiça Tributária e Progressividade: A medida visa reforçar o princípio de que “quem recebe mais, contribui mais”, ampliando a base de arrecadação do governo e corrigindo a regressividade do sistema.
- Equilíbrio Fiscal: Em um cenário de pressão por maior arrecadação, a taxação dos dividendos é vista como uma forma de reequilibrar as contas públicas.
- Correção de Distorções: A isenção criava um incentivo onde sócios de empresas de lucro real e presumido preferiam a remuneração via dividendos (isentos) em detrimento do pró-labore ou salário (tributado). A nova regra equaliza essa carga, forçando o empresário a revisitar sua política de remuneração.
🎯 Impactos Segmentados: Onde a Nova Lei Pega no Seu Negócio
Os efeitos da nova tributação variam significativamente de acordo com o porte e o regime tributário da sua empresa. Não caia no erro de pensar que, por ter um limite de R$ 50 mil, a lei não o afetará. O planejamento é para todos.
4.1 Micro e Pequenas Empresas (MEI, Simples Nacional)
Se a sua empresa distribui lucros consistentemente abaixo de R$ 50.000,00 mensais por sócio, o impacto direto e imediato da retenção de 10% será nulo.
Ação Estratégica: O foco aqui é o planejamento da remuneração. É o momento ideal para reavaliar a proporção entre Pró-labore (salário) e Distribuição de Lucros. Além disso, a janela de transição é de ouro:
- Formalização: Não deixe de formalizar as deliberações de lucros apurados até 31/12/2025 para aproveitar a isenção de pagamento até 2028. Isso exige atenção minuciosa na contabilidade.
4.2 Empresas de Médio Porte
Para empresas que distribuem acima do teto de R$ 50.000,00 mensais a seus sócios, o impacto é imediato e exige uma revisão profunda do fluxo de caixa e da política de distribuição.
- Redução do Líquido: O imposto de 10% reduz diretamente o valor líquido que o sócio recebe, exigindo a retenção na fonte pela pessoa jurídica.
- Otimização da Distribuição: Estratégias como a distribuição fracionada (trimestral ou semestral) e o escalonamento por sócio podem ser usadas para evitar que o valor mensal ultrapasse o limite de R$ 50.000,00 e, consequentemente, a retenção de IRRF.
Comentário do Especialista:
Michael Julio, Sócio de Tributos Diretos da BKPS Consultoria Tributária, alerta:
“A nova lei não se restringe à retenção de 10% sobre o dividendo. Ela é parte de um movimento maior de reforma da renda. Empresários devem olhar para o impacto como um todo. Por exemplo, o lucro da empresa, mesmo antes da distribuição, já sofreu uma carga tributária (IRPJ/CSLL). Agora, o sócio sofre uma segunda camada. O planejamento exige uma visão da ‘carga tributária total’, da Pessoa Jurídica à Pessoa Física. Para empresas de médio porte, é a hora de simular cenários de ‘Pró-labore vs. Dividendo’ e até de revisitar o uso de instrumentos como Juros sobre Capital Próprio (JCP), que, embora tributado em 15% na fonte, representa uma despesa dedutível para a empresa, podendo otimizar a carga global. A inação é o maior risco aqui.”
4.3 Grandes Empresas e Holdings
Grupos empresariais e holdings com distribuição de lucros relevante terão um custo fixo inerente à nova tributação.
Ações Estratégicas Essenciais:
- Antecipação e Formalização: Antecipar ao máximo a distribuição de lucros acumulados até 2025.
- Reorganização Societária: O uso de reinvestimento interno, a reestruturação de holdings e o planejamento internacional (para sócios não residentes, que também são tributados a 10%) tornam-se ferramentas cruciais para a mitigação do impacto. A BKPS, com sua expertise em due diligence e planejamento internacional, oferece suporte para a otimização dessas estruturas.
🛣️ Roteiro de Ações Imediatas: O Que Fazer Agora
O tempo é o seu ativo mais valioso nesta transição. Para transformar a obrigatoriedade em vantagem, você e seu time de contabilidade precisam executar as seguintes ações imediatamente:
- Mapeamento e Diagnóstico de Impacto
- Mapear todos os sócios, os valores de distribuição histórica e o potencial de lucros acumulados que podem ser formalmente deliberados até 31/12/2025.
- Simular cenários financeiros de 2026 em diante, considerando a retenção de 10% no fluxo de caixa da empresa e do sócio.
- Aproveitamento da Janela de Transição
- Revisar o regime tributário da empresa (Lucro Real, Presumido, Simples Nacional) para verificar se há otimizações que podem ser feitas antes de 2026.
- Formalizar as Deliberações: É a etapa mais urgente. Agendar e documentar formalmente as deliberações de distribuição dos lucros apurados até 2025, garantindo que o ato de aprovação ocorra até 31 de dezembro de 2025.
- Governança e Comunicação
- Atualizar Contratos: Revisar e, se necessário, atualizar contratos sociais, estatutos e acordos de acionistas para prever novas regras e formas de distribuição de lucros.
- Comunicação Transparente: Comunicar de forma clara aos sócios sobre as mudanças e alinhar as expectativas sobre o recebimento de dividendos a partir de 2026.
- Implementar Governança Robusta: Garantir que a governança contábil e societária da sua empresa esteja apta a cumprir a nova legislação, evitando autuações por falta de documentação.
- Monitoramento Contínuo
- Monitorar as regulamentações complementares que serão emitidas pela Receita Federal, pois a lei geral sempre é detalhada por instruções normativas. A BKPS se encarrega desse monitoramento contínuo para seus clientes.
🛑 O Risco da Inércia: O Preço de Não Agir
A inação diante de uma mudança tributária dessa magnitude é o caminho mais rápido para a perda de competitividade e para o desequilíbrio financeiro. Ignorar o PL 1.087/2025 pode gerar:
- Retenções Inesperadas: Impacto negativo no fluxo de caixa pessoal do sócio devido a retenções surpresa.
- Perda da Isenção: A não formalização dos lucros acumulados de 2025 resultará na tributação desses valores no futuro.
- Autuações Fiscais: Riscos de multas e autuações por falta de documentação adequada ou por erros no cálculo e retenção do IRRF.
- Redução da Rentabilidade: A carga tributária total (PJ + PF) se eleva, reduzindo a rentabilidade líquida do negócio para os sócios.
Em um mercado cada vez mais competitivo, empresas que não se preparam terão uma desvantagem competitiva evidente em relação àquelas que se anteciparam e otimizaram suas estruturas.
🤝 Conclusão: Transformando Obrigatoriedade em Oportunidade
A tributação de dividendos é a nova realidade do sistema tributário brasileiro. No entanto, ela não precisa ser vista apenas como um custo. Com o planejamento correto, essa obrigatoriedade se transforma em uma oportunidade estratégica para:
- Revisar a estrutura societária.
- Otimizar a carga tributária global.
- Aumentar a transparência e a governança da sua empresa.
Não espere janeiro de 2026. Antecipar-se é a chave.







