Reforma tributária: desafios e riscos

É fundamental compreender as implicações e evitar votações apressadas que possam comprometer o país

A Câmara dos Deputados deve votar em breve a PEC 45/19, porém, até agora, conhecemos pouco sobre o projeto, que ainda pode passar por modificações, segundo o relator.

Votar uma Emenda Constitucional sem um amplo debate representa um grande risco. O argumento de que já houve debate suficiente não se sustenta, pois o texto apresentado difere consideravelmente daquele discutido desde 2019.

A proposta em questão vai além de uma simples reforma na tributação do consumo. Trata-se de uma mudança ampla e revolucionária no sistema tributário que impacta os três níveis federativos. Ela redefine a natureza do imposto sobre a produção industrial, o IPI, transformando-o em um imposto sobre o consumo. Além disso, também modifica a Contribuição Social do PIS/COFINS, alterando inclusive o dispositivo constitucional que determina a tributação do consumo pelos estados e municípios.

Embora a reforma tributária da Índia possa servir como referência, existem diferenças significativas que impossibilitam comparações diretas, embora possa haver lições a serem aprendidas.

A reforma em discussão no Brasil ultrapassa a simples alteração dos impostos sobre o consumo, abrangendo também questões federativas. Ela propõe a criação de um novo tributo, o IBS, com administração bipartite ou tripartite, o que pode ter impactos negativos na arrecadação dos municípios maiores, sem reduzir suas funções e obrigações. Além disso, a definição de importantes aspectos do sistema é delegada à Lei Complementar, tornando difícil avaliar o impacto nas finanças públicas, nos contribuintes, na economia e na sociedade.

Devido à sua concepção de transferir o ônus da tributação entre setores, aceitar alíquotas ou modalidades diferenciadas para algumas atividades não resolve o problema do aumento da carga tributária sobre os serviços, pois as concessões feitas para uns terão que ser compensadas pelos outros.

As dificuldades de gestão centralizada do sistema também não estão resolvidas. As informações e simulações apresentadas, embora baseadas em suposições, já não têm mais validade, pois se referem à proposta original, que sofreu várias modificações, conforme relatado pelo deputado Agnaldo Ribeiro. Portanto, votar a nova proposta sem os detalhes e cálculos necessários é uma decisão às cegas, com graves riscos de descobrir, após a Constitucionalização, que o sistema é disfuncional ou, o que é mais preocupante, que precisa ser estruturalmente modificado, exigindo, assim, novas mudanças constitucionais.

O problema se agrava porque é impossível avaliar o impacto efetivo das mudanças propostas, uma vez que ele dependerá das reações dos agentes econômicos às alterações que os afetam. No entanto, é possível afirmar que a incerteza e a insegurança dos contribuintes, juntamente com a complexidade de lidar com dois sistemas tributários simultaneamente, terão reflexos negativos nas decisões econômicas, incluindo investimentos e empregos.

Curiosamente, as distorções dos impostos que são alvo dessa reforma e que servem como justificativa para sua necessidade, permanecem durante todo o período de transição, agravadas pela coexistência dos dois sistemas.

Enquanto se argumenta que a simplificação trazida pelo novo sistema, após a transição, impulsionará o crescimento, é possível imaginar que a complicação resultante da convivência de dois sistemas, inclusive obrigando o setor de serviços a lidar com o valor adicionado, algo com o qual não está familiarizado, terá um efeito inverso sobre a economia.

Para aumentar a incerteza e a insegurança dos contribuintes, também se pretende criar um Fundo de Desenvolvimento Regional financiado pela União, sem especificar a origem dos recursos. Considerando que a União está em déficit e precisa arrecadar valores substanciais para cumprir suas obrigações fiscais, é certo que os contribuintes acabarão pagando essa conta adicional. A única dúvida é como eles conseguirão arcar com mais essa despesa.

Existem alternativas. A PEC 46 pode ser um caminho, e outra possibilidade é corrigir todos os problemas dos impostos atuais, especialmente o ICMS, por meio de alterações infraconstitucionais, para posteriormente discutir uma reforma tributária mais abrangente relacionada ao consumo, sem criar ou modificar a natureza dos impostos e as competências federativas.

O texto da PEC apresentado pelo relator é extenso, com 29 páginas de referências a artigos, parágrafos e incisos, o que demanda tempo para ser compreendido e traduzido para o público leigo, a fim de permitir uma participação efetiva nas discussões. É necessário avaliar se é realmente necessário constitucionalizar tantos detalhes, o que poderia dificultar mudanças futuras, caso sejam necessárias.

É fundamental que toda a sociedade esteja ciente do que está em jogo na aprovação dessa proposta de reforma tributária e dos riscos associados a uma votação apressada. Além disso, é importante deixar claro que não se trata apenas de uma mudança em um ou mais impostos, mas sim de alterações que podem afetar o equilíbrio do regime federativo e, consequentemente, o cenário político.

Os riscos de desorganização da economia são extremamente sérios, pois a estrutura de preços será modificada, a burocracia aumentará durante o período de transição e os problemas inerentes a cada um dos impostos incorporados no novo sistema persistirão. Além disso, não dispomos de dados e informações suficientes para que o Congresso vote uma emenda constitucional de forma embasada.

É evidente que dedicar pelo menos 60 dias à análise da PEC não mudará a situação do país em uma proposta de reforma que levará oito anos para ser concluída pelos contribuintes e cinquenta anos pelos entes federativos. No entanto, apressar a votação pode trzer consequências indesejáveis.

É essencial que toda a sociedade esteja devidamente informada sobre os possíveis desdobramentos dessa proposta de reforma tributária e compreenda os riscos envolvidos. Não podemos subestimar a complexidade das mudanças propostas, que vão além dos aspectos puramente tributários, afetando a estrutura federativa e a economia como um todo.

Os riscos de desequilíbrio econômico são altos. As alterações na estrutura de preços, o aumento da burocracia durante a transição e a convivência de problemas já existentes nos impostos incorporados no novo sistema são fatores que podem levar a um cenário de instabilidade e incerteza.

Além disso, a falta de dados e informações adequadas para embasar a votação de uma emenda constitucional é motivo de preocupação. É imprescindível que os detalhes e cálculos necessários sejam devidamente apresentados e analisados antes de tomar uma decisão tão importante.

Em vez de pressionar pela aprovação apressada dessa proposta, é preciso considerar alternativas. A PEC 46 pode ser uma opção viável, assim como a correção dos problemas nos impostos atuais por meio de mudanças infraconstitucionais. Dessa forma, seria possível discutir uma reforma tributária mais abrangente no futuro, sem comprometer a estabilidade econômica e a segurança jurídica.

O momento exige cautela e uma abordagem mais cuidadosa. É necessário garantir um debate amplo e aprofundado, envolvendo especialistas, setores da sociedade e representantes políticos. A transparência e a participação ativa de todos são fundamentais para tomar decisões informadas e evitar consequências indesejadas.

Portanto, é preciso respeitar o tempo necessário para a análise adequada da proposta, levando em consideração os impactos econômicos, a complexidade da transição e as implicações federativas. Votar uma reforma tributária sem uma análise minuciosa e um amplo debate seria um passo no escuro, com sérias consequências para o país e seus cidadãos.

Em suma, é essencial que todos estejam plenamente cientes dos desafios e riscos envolvidos na aprovação dessa proposta de reforma tributária. A pressa pode resultar em consequências negativas de longo prazo. Devemos priorizar a análise minuciosa, o debate informado e a busca por soluções que garantam a estabilidade econômica e o bem-estar da sociedade como um todo.

Versão adaptada.
Fonte: Diário do Comércio